sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

COMO O CONSUMIDOR BRASILEIRO É BOBO! - 2ª parte

(Foto:questaolegal.blogspot.com.br)
Todos nós somos enganados no comércio, todos os dias. Não falemos nem de falsas promoções, publicidades enganosas. Mas somente da rotina nas compras, cotidianas, normais, regulares. São engodos, trapaças, mentiras, armadilhas, truques, mágicas, crônicas e epidêmicas, institucionalizadas pelo mercado, recepcionadas pela mídia, das quais somos vítimas. São preços de boa-fé, nos quais acreditamos, crentes de que estamos pagando mais barato, “levando vantagens”. Mas, na verdade, estamos sendo ludibriados. Alguns exemplos:

OS FAMOSOS “DESCONTOS” DAS FARMÁCIAS E DROGARIAS – A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, órgão ministerial do Governo Federal, estabelece o preço máximo consumidor – PMC – a ser cobrado ao consumidor de todos os medicamentos que têm venda autorizada no mercado. Pois bem. Ao comprar um medicamento em qualquer farmácia ou drogaria do País, quando você manifesta a sua surpresa ou indignação pelo preço cobrado, o balconista ou até mesmo o gerente, treinado, é obrigado a dizer o seguinte: “Nós já estamos dando um ‘desconto’ de tanto, não podemos dar mais. O preço é X, mas a mercadoria, para o senhor (ou para a senhora) é Y, tantos por cento mais barato, um desconto que fazemos para os nossos clientes...” MENTIRA, EMBUSTE, CRIME CONTRA O CONSUMIDOR”. O preço X, do qual fala o funcionário, é O PREÇO DA EMPRESA, UMA ESCOLHA DA EMPRESA, DIANTE O PREÇO MÁXIMO estabelecido pela CMED, a fim de competir com a concorrência. NÃO HÁ DESCONTO ALGUM. PURA FRAUDE! Essa empresa pratica o preço X. A outra, o preço W. A terceira, o preço K... e assim por diante. Não existe desconto algum, mas somente um preço praticado por aquela empresa, compulsoriamente abaixo do preço máximo fixado pela CMED. Se houver “desconto” será a diminuição em alguma percentagem sobre o valor do preço da empresa. Só conheço duas redes nacionais de drogarias, em cujas lojas, os gerentes estão autorizados a dar um real desconto, pequeno, para o consumidor, isto é, abater sobre o preço da empresa. E isso acontece a depender da loja da rede. Portanto, NÃO ACREDITE EM “DESCONTO”. NÃO HÁ DESCONTO ALGUM. O QUE HÁ É O PREÇO DA EMPRESA. E PONTO FINAL.


“CHOCOLATE DE GRAMADO”, DE OUTROS LUGARES, ARTESANAIS, CASEIROS – Mentira. Pura fraude publicitária. A bela cidade gaúcha de Gramado, nunca fabricou chocolates. Nem outras, especialmente do Sudeste e Sul, cantadas em prosa e verso, como alternativas às grandes marcas que estão no mercado. O que se faz na Serra Gaúcha é uma CONFEITARIA DE CHOCOLATE, sobre um produto acabado, comprado das indústrias que, efetivamente, fabricam chocolate: as paulistas Nestlé, Mondelez (Lacta), Hershey´s Brasil (Bauduco e Visconti) e Pan; a mineira Kopenhagen; a gaúcha Neugebauer (a primeira fábrica de chocolates do Brasil, de 1891); as capixabas Garoto e Vitória; a baiana Chocolate Caseiro Ilhéus, entre outras poucas. E por que “poucas”? Porque nem todas as indústrias de chocolate produzem e podem fornecer chocolates como matéria-prima às imponderáveis linhas de confeitarias de chocolate. Isto é, fornecer chocolate em grandes barras ou tijolos meio-amargos ou “brancos”, ou chocolate em pó ou líquido (licores, flavours) que servirão de base a inúmeros produtos. Por que escrevo brancos entre aspas? Porque o “chocolate branco”, na verdade, não é chocolate, pois não possui cacau na sua formulação, na sua receita.

Saudades da carioca Bhering e da paulistana Sönksen, ambas desaparecidas, que produziam chocolates de alta qualidade: pureza, equilíbrio, delícias.

A princípio, é necessário saber que o chocolate nasceu entre os Astecas, e, por extensão, feito e consumido também pelos Maias, em tempos pré-colombianos, e, inicialmente, era uma bebida, exatamente o que a palavra asteca denominava:  xocoatl, tradução: “bebida amarga”. O cacau (cacaualtl) é uma riqueza nativa da Amazônia, do Brasil, que os índios nômades e o jupará ou “macaco da meia-noite”, um bichinho semelhante a um esquilo, após chupar as sementes dos frutos que caíam no solo das florestas, fizeram com que a riqueza chegasse até o México, atravessando toda a América Central. Cultivo tropical perene, a tradição, a Cultura Popular diz que o cacaueiro, a árvore do cacau, que foi “a árvore da vida” na civilização asteca, é delicada e generosa como um grande amor e a mulher amada: “Se bem cuidada, bem tratada, bem cultivada, ela estará sempre bela, frondosa, generosa, dá bons e doces frutos eternamente”. Entre os astecas, as amêndoas de cacau eram moedas. O chocolate era preparado com água, pimenta-da-jamaica, mel e baunilha. No século XVII, os espanhóis trocaram o mel pelo açúcar; no século seguinte, os holandeses criaram o chocolate sólido, em barras; e no século XIX, os suíços adicionaram leite ao chocolate.

Das amêndoas, diretamente, não é feito o chocolate, “o alimento mais completo que existe”, que foi o alimento dos norte-americanos nas duas grandes guerras, tem sido o farnel dos astronautas e dos atletas em todas as Olimpíadas. O caminho do fruto ao chocolate é longo, artesanal, trabalhoso, sofisticado, exige ciência, técnica, percorre várias fases, que podem ser resumidas, no universo rural, na colheita, fermentação e secagem das amêndoas. Elas são processadas, beneficiadas, nas próprias fazendas pelos cacauicultores.  Depois de colhidos nas lavouras, nos cacauais, os frutos dourados dos cacaueiros (theobroma cacao = “alimento dos deuses”, na denominação científica do sueco Linnaeus), são quebrados, as sementes, retiradas manualmente e a polpa que as envolve serve para preparação de doces, geléias, refrescos, sorvetes, ou fornecida ao gado, misturada à ração. Em seguida, as amêndoas passam pelo processo de fermentação, fase fundamental para definição do aroma e sabor do cacau, matéria-prima do chocolate. A secagem ideal das amêndoas, outra fase importantíssima do beneficiamento, deve ser feita ao sol, extirpados fungos e insetos, também retiradas cascas e excessos com o pisoteio a pés descalços pelos trabalhadores, dois processos efetivados em “barcaças”, grandes planos de madeira com tetos móveis sobre trilhos para protegê-las das chuvas.  Ao final do beneficiamento, as amêndoas são armazenadas, acondicionadas em sacos de cinco arrobas cada (60 kg).

Antes de seguirem direto aos portos para embarque e exportação, ou destinadas às indústrias de cacau, amostras das amêndoas são levadas à classificação, postas em categorias de acordo com a sua pureza natural, consistência, forma, cor, peso médio e aroma, por órgãos oficiais ou credenciados. Nas indústrias, setor de alta complexidade e especialização de grandes plantas, máquinas e equipamentos, as amêndoas passam pela torra, moagem e prensagem e são transformadas nos derivados do cacau: pasta ou massa de cacau, primeiro e principal produto, um “cacau integral” ou “líquor”; manteiga de cacau (gordura do cacau), extraída da prensagem da pasta; torta de cacau, blocos do que restou da massa prensada, que retém, ainda, trinta por cento de manteiga; e o pó de cacau, que é a torta pulverizada.

Com esses derivados a sofisticada indústria chocolateira, também altamente especializada em equipamentos, pessoal, donas de receitas exclusivas, algumas centenárias, com segredos industriais milionários etc., fabrica as várias linhas de chocolate (sólidos, em pó e líquidos) e os inúmeros chocolates, nas suas variadas formas, sabores, composições e texturas. Assim, basicamente, o chocolate negro é resultado da mistura da massa de cacau, da manteiga de cacau, do leite e do açúcar; o “chocolate” branco, apenas manteiga de cacau, leite e açúcar; a torta e o pó de cacau são matérias-primas para uma infinidade de chocolates sólidos e líquidos, flavours, achocolatados etc.

COMPOSIÇÃO DO CHOCOLATE - Os chocolates de primeira linha (Godiva, belga, por exemplo; os chocolates alemães, franceses, ingleses e do leste europeu) são resultado de um blend, composto de “cacau Bahia” (originário do Sul da Bahia, aonde chegou em 1746, vindo do Pará), cacau da África ou cacau da Amazônia (ambos com grande teor de gordura) e o “cacau fino do Equador”, fruto de uma cepa nativa, existente também na Venezuela, Colômbia e alguns países caribenhos, de uma árvore ainda mais delicada e vulnerável que o cacaueiro nativo, tradicional. Os chocolates de segunda e terceira linha usam, além de muito açúcar, excessiva quantidade de gorduras vegetais em substituição à manteiga de cacau, ingrediente nobre na formulação do bom chocolate. A leguminosa algaroba, natural do Peru, existente em regiões áridas, inclusive no Nordeste brasileiro, tem sido usada por alguns países (Israel é um exemplo), na tentativa de transformá-la em sucedâneo do cacau na fabricação do “chocolate”. Sem êxito, pois, apesar de alguns traços similares, não consegue tomar o lugar do prestigioso alimento.

Existem fábricas de chocolate em Gramado, Canela, Petrópolis, Itatiaia, Itaipava, Nova Friburgo, Poços de Caldas, Campos do Jordão e outras cidades turísticas, geralmente serranas ou estações d’água? Claro que não. O que existe nesses lugares são confeitarias de chocolate e lojas de chocolate. Mas, perguntariam alguns: quer dizer que não existe “chocolate caseiro” em lugar nenhum? Claro que sim. Mas são indústrias domésticas, pequenas, mínimas, nas fazendas, nas cidades das regiões produtoras da Bahia, Espírito Santo e Amazônia, que fabricam produtos realmente caseiros, isto é, singelos, sem nenhum grau de sofisticação quanto a sabor ou sabores, praticamente massa de cacau integral, amêndoas sem peles, trituradas, torradas e moídas (chocolate amargo), depois misturadas ao leite e ao açúcar. Ou licores de cacau, que é o chocolate puro na sua forma líquida, acima de 35 graus. A exceção é o Chocolate Caseiro Ilhéus, da cidade do mesmo nome na Bahia, que, adotando o empirismo centenário do chocolate doméstico feito na maior região produtora do País, alia a ele alta tecnologia na fabricação de produtos.

O que essas confeitarias de Gramado e suas congêneres fazem é, após derreter os chocolates, desenhar e esculpi-los, criando formas e figuras que se transformam em produtos, definindo inclusive texturas. Aos chocolates meio-amargos comprados dos grandes chocolateiros adicionam e/ou misturam cereais, frutas, biscoitos, doces, balas, confeitos. Armazenam licores e outras bebidas alcoólicas em garrafinhas de chocolate etc.

O ALIMENTO MAIS COMPLETO – Portanto, ao comprar um chocolate, que não seja um Kopenhagen, o melhor do país, ou um Neugebauer, outra marca de excelência e qualidade, ou um Chocolate Caseiro Ilhéus – leia, na embalagem, a composição do produto, atente para as proporções de açúcar e de gorduras de soja e de outros vegetais. Prefira os produtos onde prevaleçam os derivados de cacau, o leite, os mínimos teores de açúcar e, baixos teores, de outras gorduras estranhas ao cacau. Se é saudável consumir os meio-amargos, por possuir menos açúcar, especialmente os diets, por outro lado, às vezes, essa redução é compensada pelo alto teor de gorduras. Os lights diminuem porcentagem de açúcar e gorduras, mas atente se a manteiga de cacau e os demais derivados (pasta/massa ou torta ou pó) estão presentes e se você não está ingerindo muitas gorduras vegetais hidrogenadas (gorduras trans). Por outro lado, não exagere, em uma única vez, no consumo da moda: alta quantidade de cacau, 50%, 60%, 70% em cada barra. O organismo pode reclamar.

O cacau é um alimento riquíssimo em nutrientes, muito denso, forte, contem: magnésio (mais que qualquer outro alimento), ferro (importantíssimo no nosso organismo), cromo (que balanceia o açúcar no sangue), anandamida (endorfina da felicidade, fabricada naturalmente pelo corpo humano, somente encontrada no cacau), theobromina (bactericida que elimina cáries dentárias), antioxidantes (o cacau é o alimento que contém a maior concentração no mundo), manganês (ajuda o ferro na oxigenação do sangue), zinco (fundamental no nosso sistema imunológico, fígado, pâncreas e pele), cobre (essencial ao sangue), vitamina C (o cacau supre em mais de 20 por cento as necessidades do organismo), feniletilamina (PEA, encontrado no cacau cru, produzido pelo nosso corpo quando nos apaixonamos e também importante para a nossa atenção) e serotonina, principal neurotransmissor do corpo humano.

Já o chocolate, primogênito do cacau, misturado ao leite e ao açúcar, contem mais de trezentas substâncias químicas que nos proporcionam prazer, bem-estar, nos fornecem concentração mental e energia. Além da maioria dos elementos encontrados no fruto cru e nas amêndoas beneficiadas, como escrevi acima, o chocolate, contem, ainda, os minerais: potássio, cloro, fósforo, cálcio e sódio, e as vitaminas A, B1, B2, B2, B3 e E.

O consumo per capita de chocolate no Brasil é de apenas 2,5kg por ano, um dos mais baixos do mundo, inferiores aos de todos os países das três Américas. Em todo o mundo, o chocolate é considerado um alimento, normalmente consumido numa pequena quantidade, uma barrinha após as refeições. Aqui, para nós, ele é uma “guloseima”, um supérfluo. Só comemos chocolate na Páscoa, Dia dos Namorados e Natal. E muito, exageradamente. Na década de 1980, minutei projeto no Congresso Nacional para introdução do “chocolate em pó” na merenda escolar e nos farnéis das Forças Armadas. Indefinidos e dissimulados lobbies conseguiram o arquivo da propositura. Também idealizei proposta legislativa para a fixação compulsória do prazo para consumo de qualquer chocolate ou achocolatado. O governo federal de então, sabedor da nossa intenção, felizmente, foi sensato e, mais rápido que o processo legislativo, normatizou a perecibilidade do produto. Hoje qualquer barrinha ou bala de chocolate traz as datas de fabricação e vencimento para consumo. Como vimos, o chocolate é um alimento muito forte, rico em nutrientes e digerido em quantidade pode em exagero ser laxante. Lembremos da nossa infância, do Licor de Cacau Xavier contra as constipações intestinais. Prove, além dos nacionais que recomendei acima, as barras com o máximo de 50% de cacau, meio-amargas, importados do Equador, que há alguns anos lotaram, com preços baixos, as gôndolas dos supermercados. Agora, andam meio sumidos. Chocolate com formulação bem equilibrada e com gosto de cacau.