terça-feira, 29 de novembro de 2016

"Affair" Geddel X Calero: INGENUIDADE E DELINQUÊNCIA. INEXPERIÊNCIA E FRAGILIDADE.

A raposa e o frango
(Foto: Marcelo Camargo Ag. Brasil)
“Nunca, antes, na história deste País”, diria o Lula se capacidade crítica tivesse, foram cometidos tantos deslizes e desatinos seguidos, rapidamente transformados em graves crimes contra a Administração Pública e imenso escândalo que abalou a República, como no episódio palaciano que envolveu o ex-deputado Geddel Vieira Lima e o diplomata Marcelo Calero.

Eis a minha visão do caso, com base, exclusivamente, no depoimento integral do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero à Polícia Federal – PF, feita a 19 de novembro, ao qual tive acesso, e às falas de Geddel e Calero à mídia e, mais, as declarações oficiais do Senhor Presidente da República. Ignoro, não considero as impressões, comentários, opiniões e críticas de jornalistas, parlamentares, outros Ministros do Governo e terceiros, sejam estes últimos pacificadores ou incendiários, voluntariosos ou complacentes.

Não críveis, imprevisíveis, a ingenuidade e o erro repetido e contumaz, logo constituído em crime de Advocacia Administrativa (Art. 321 do Código Penal - CP), do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Geddel Vieira Lima, em insistir num pleito pessoal, particular, se valendo de uma função pública na qual estava investido, pressionando um colega de Ministério e ameaçando-o, caso não fosse atendido.

Geddel comprara, na planta, um apartamento em um prédio de trinta pavimentos em Salvador, Bahia, numa área onde quase todos os imóveis são tombados. O projeto da obra fora aprovado pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN na Bahia, mas, em seguida, questionada pela Presidência Nacional do órgão em Brasília, é embargada, por ferir o contexto urbano colonial e o patrimônio paisagístico da capital baiana, autorizando-se, posteriormente, apenas a construção de treze andares do edifício. Geddel, a princípio, agiu pelos canais normais, através de advogado, junto ao IPHAN, em defesa de seu interesse contrariado. Mas, depois, constatando que a decisão do IPHAN, ouvida a Procuradoria do órgão, que foi pela redução do número de andares do prédio, preferiu, valendo-se do seu poder político, atuar pessoal e agressivamente, em causa própria, abordando, questionando e desafiando o então Ministro da Cultura, ao qual o IPHAN é subordinado. Chegou a dizer a Calero que ele deveria “enquadrar” a Presidente do IPHAN, Kátia Bogéa, que “pediria a cabeça dela, indo falar até com o Presidente da República”.

Por outro lado, ficou evidente a incipiência política e fragilidade administrativa de Calero, que não se portou com a altivez e autoridade de um Ministro de Estado. Mesmo respaldado pelo Presidente da República, não foi firme em manter a posição legalista, não se impôs, como era do seu dever e direito, não resistiu enfim, se desestabilizou emocionalmente e pediu demissão diante de um impasse que ele não criou e no qual agia correta e republicanamente, mesmo de maneira tíbia e juvenil.

A fotografia: uma velha raposa cometendo um crime e um frango, blindado pelo seu cargo, com o mesmo poder institucional da raposa, em pânico, apesar de prestigiado pelo raposão, o Presidente, chefe da raposa e do frango, porém, este, com a inexperiência de um adolescente inseguro. A princípio, não se confunda, aqui, qualquer pedido político, lícito e legal, de conotações políticas ou feito por um político, de interesse pessoal, grupal ou social, com prática de Advocacia Administrativa. Nada há nada de errado ou criminoso um ministro solicitar informações, orientação, ou um roteiro para revisão de uma decisão administrativa a um colega, sobre qualquer questão, mesmo que ela seja privada (e, normalmente, é dirigida ao mundo privado), a ser decidida por um órgão público.

Porém, quando a abordagem de Geddel sobre Calero é autoritária, ameaçando-o, tentando subalternizá-lo e levá-lo a uma decisão sem sustentação legal, que lhe agrada, FORA DA LEI, contrariando os protocolos administrativos recursais, regulares, aí deixamos a normalidade e caímos na delinquência.

Tudo começa com um erro primário, indevido e tolo, de Geddel que, desinformado e sem intermediário confiável, procura um colega de Ministério para pedir um “favor”, o cancelamento ou uma revisão de um ato administrativo, de um órgão subordinado àquele colega, no qual tinha interesse pessoal, particular. É lógico que esse “favor” teria de cumprir todas as exigências legais, normativas. Ou a procura um colega de Ministério para ser seu cúmplice ou comparsa na prática de um crime de Advocacia Administrativa, uma pessoa que, além de reta e incorruptível, não era, e nunca foi, seu amigo ou pessoa de suas relações, o ex-ministro Calero.

Em minha vida, conheci na infância e juventude líderes brilhantes, e, depois, como servidor público, trabalhei com homens públicos admiráveis, probos, políticos de coturno, integérrimos. E, também, com alguns medíocres, negocistas e desprezíveis. Um pedido desse jaez é comum, não apenas em ambientes políticos e públicos, mas em qualquer setor da atividade humana. Senador ou deputado solicitar a um ministro, a uma secretaria ou departamento, de qualquer nível, ou a um presidente de estatal, uma “atenção especial”, “examinar com carinho o processo”, “uma orientação”, “atentar para as minhas razões ou argumentos”, “apelar para a sua sensibilidade e reconhecida competência” etc. etc. – tudo isto é comum, rotineiro. Tudo dentro da Lei, ressalte-se, sem vantagens ou privilégios de qualquer espécie ou dimensão. São “rezas” comuns e rotineiras no mundo político. E também na esfera privada. Presencialmente, por telefone, por e-mail, carta, bilhete, whatsapp. Qualquer cidadão, seja qual for o seu status ou esfera social, política, econômica ou cultural, ministro ou vendedor de cartão de telefone, pode tanto peticionar, requerer informações, revisões, recorrer, bem como agir como descrevi acima, formal ou informalmente. Formalmente é garantia constitucional.

O desarrazoado, o desinteligente, imprudente, absurdo, criminoso, é, uma autoridade pública, valendo-se do cargo, além de pugnar pelo ilegal, pelo “jeitinho brasileiro”, irregular, insólito, requerer ilicitude, pressionar, chantagear, ameaçar. Se alguém assim proceder, configura-se, além de Delito Ético e Corrupção, o crime de “Advocacia Administrativa”. Geddel ameaça, direta e indiretamente, Calero, segundo o depoimento do ex-ministro da Cultura à PF, até com a demissão da Superintendente do IPHAN na Bahia, se o parecer do IPHAN nacional fosse mantido.

A prática, quando legítima, lícita, justificada, legal, normalmente é informal, corriqueira. Mas pode ser formal, cerimoniosa. Equivale, por analogia, se viajarmos a outro território, o Judiciário, por exemplo, quando um advogado entrega no gabinete de um juiz, desembargador ou ministro de tribunal um memorial, acerca de uma causa que defende. Nada há de criminoso ou escandaloso num ato dessa natureza, contanto que seja respeitoso, lícito, de caráter legítimo e com objetivos lícitos. Também nada há de antiético ou criminoso, a verdadeira ação de lobby, regulamentada e comum em vários países, quando empresa, setor, partido político ou corporação procura núcleos decisórios, em qualquer dos poderes do Estado, e tenta influir na análise e conclusão a seu favor, através da argumentação, da persuasão e do convencimento da autoridade pública ou executivo privado acerca de questão que esteja submetida a seu encaminhamento ou decisão.

RESUMO DA ÓPERA – PERSONAGENS, ATUAÇÕES E EXPECTATIVAS

Geddel Vieira Lima – Analisando-se o depoimento de Calero à PF, as próprias entrevistas dele à mídia e gravações telefônicas que o ex-ministro da Cultura promoveu, o ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, pode-se inferir que ele transgrediu a Ética Pública e cometeu crime de Advocacia Administrativa (Arts. 321 do CP). Pediu demissão no dia 25 de novembro, seis dias após o depoimento de Calero à PF.

Marcelo Calero – Suas declarações dão conta de que agiu corretamente, dentro da Lei e das normas aplicáveis pelo IPHAN, não aceitando a influência de Geddel para liberação da obra. Porém abateu-se e se transtornou. Apresentou-se ao Presidente e à sociedade como uma pessoa acuada com as insistentes ameaças de Geddel. Especificamente, no imbróglio, no confronto com Geddel, na sua condição de Ministro da Cultura, foi fraco, inexperiente, juvenil, menor. Entretanto, no processo, no âmbito do MinC, foi ético, competente, correto, teve conduta administrativa e jurídica perfeitas. Acertou ao recepcionar, integralmente, o parecer técnico da Procuradoria do IPHAN que analisou o recurso de Geddel, recomendando a diminuição da altura do prédio, decidindo em definitivo sobre o mérito.

Ao final do primeiro encontro com Temer, que tratou do assunto “Geddel”, o Presidente o tranquilizou sobre a decisão que deveria comunicar ao Chefe da Secretaria, que seria baseada em parecer técnico, “infelizmente não sendo possível atendê-lo”, acresceu o Presidente. E ponto final. Num segundo encontro, quando Temer lhe sugeriu a construção de uma saída, Calero, insolitamente, “sentiu-se bastante desapontado, uma vez que ‘foi advertido’ (? – apóstrofo e interrogação minha), em razão de ter agido sem cometer qualquer tipo de irregularidade; e sentiu-se ‘decepcionado’ (?- outro apóstrofo e interrogação minha) também pelo fato de não ter mais a quem reportar-se a fim de solucionar esta situação, uma vez que o próprio Temer o havia ‘enquadrado’ (? – terceiro apóstrofo e interrogação minha)”. O Presidente não o desapontou, não o advertiu nem o enquadrou, entendimentos completamente equivocados.

Afinal, Calero disse à PF que, então, sua única saída foi apresentar seu pedido de demissão, que ocorreu a 18 de novembro.

Quanto às gravações que Calero fez dos seus diálogos com Geddel e Padilha, não são usuais entre os membros de um Ministério, mas, compreensíveis, pelas circunstâncias. Quanto à única gravação que fez da conversa de Temer com ele, também telefônica, ironicamente a última, que ele a considerou “protocolar”, como comprovadamente o foi, julgo-a sem qualificação moral. Em minha opinião, lamentável, indigna, para não dizer ignominiosa,

Jurema Machado – Presidente Nacional do IPHAN que embargou o empreendimento La vie Ladeira da Barra, prédio onde Geddel comprou o apartamento.

Kátia Bogéa – Presidente que substituiu Jurema, recebeu os advogados de Geddel, recepcionou o recurso pela revisão do embargo, pois constatou que não houve contraditório no processo administrativo, direito de defesa de Geddel. Encaminhou os autos para apreciação da Procuradoria do IPHAN, que decidiu pela redução do gabarito.

Eliseu Padilha – Ministro-Chefe da Casa Civil, inicialmente disse a Calero que, se “a questão estava judicializada, não deveria haver decisão administrativa definitiva a respeito”. Em seguida, “que tentasse construir uma saída com a AGU” - Advocacia Geral da União. Depois, passou a impressão a Calero que desejava preservá-lo no cargo e, mais tarde, perguntou a Calero como Geddel poderia recorrer da decisão do mérito exarada pelo Ministro da Cultura.


Gustavo Rocha – Secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, perguntou se Calero já havia enviado o processo à AGU, insistiu nessa proposta e, por fim, se apresentou, como autorizado pelo Presidente da República, a repetir, pela terceira vez, a pergunta, mesmo depois que Calero comunicou a Temer que não iria mais atuar no processo. Comunicou a Calero que ingressara com um recurso junto à Presidência do IPHAN para reformar a decisão do Ministro da Cultura.

Procuradoria e Procuradores do MinC – A Procuradoria decidiu o recurso de Geddel pela redução do gabarito do prédio. Os procuradores foram chamados à AGU, quando esta considerava que Calero lhe enviara o processo, o que não ocorreu.

Nara de Deus – Chefe de Gabinete de Temer, solidarizou-se, informalmente, com a postura legalista de Calero.

Carlos Henrique Sobral – Chefe de Gabinete de Padilha, figurante sem relevância, que apenas interrogou Calero sobre o prazo recursal que cabia a Geddel.

Grace Mendonça – Ministra-Chefe da AGU, que não chegou a atuar no processo.

Michel Temer – Inicialmente, tranqüilizou Calero, aconselhando-o a responder a Geddel que, por razões técnicas, não foi possível atendê-lo. Mas, num seguindo encontro, disse a Calero que a sua decisão estaria criando “dificuldades operacionais” em seu Gabinete. Recomendou-lhe, então, que tentasse construir uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a Ministra Grace Mendonça teria uma solução. Em outra oportunidade, tentando aplacar a ansiedade, impaciência e a intolerância de Calero quanto a pressões que estava sofrendo, justificou, apascentando-o: “... a Política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”. Calero sentiu-se “desapontado” (SIC) e depois recebeu os acautelamentos de Temer como se este o tivesse “enquadrado” (SIC). Em minha opinião, pura insegurança púbere e pretexto para deixar o cargo. No mesmo dia, no início da noite, presencialmente, disse ao Presidente que “estava se demitindo”, no que o Presidente tentou demovê-lo da atitude. No dia seguinte, 18 de novembro, recebeu ligação de Calero dizendo que “entregaria o seu cargo”. Temer, mais uma vez, lhe disse que não “via razões para isto”, mas Calero retrucou dizendo que “as teria”. E tudo foi consumado. A cortina se fecha.

MEU JULGAMENTO: Não houve crime comum ou crime de responsabilidade de Temer. O Presidente, apenas, tentou dirimir, promover um entendimento entre dois de seus ministros, mesmo que o interesse de uma das partes fosse privado, particular. O Presidente nada arbitrou, porque nada falou, encaminhou ou decidiu no processo, inclusive sugeriu a Calero o socorro da AGU, que é um órgão, não apenas de defesa de interesse da União, mas de assessoramento e aconselhamento jurídico do Presidente (Decreto nº 7.392, de 13.12.2010).

COM A PALAVRA, A COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, A POLÍCIA FEDERAL E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

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